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O Azul Floresce na Sombra


 

Pela folhagem
No jardim de um velho templo,
A luz do sol encontra o seu caminho.
Meio-dia.

Na pedra, uma ondulação de luz;
Sorri o antigo rosto dos céus
E, do abismo do ser,
Irrompe a luz de lágrimas —serena.

Agora sou um ser sensível.

 

Hôgen Daidô


 

Uma meditação silenciosa, um demorar no silêncio. A extrema importância das pausas. O trabalho começa aqui, no poema Um Penetrar de Luz de Primavera de Hôgen Daidô. 

 

No budismo zen o tempo é constituído por um despertar para o quotidiano, um aprofundar da imanência. Onde o templo é o lugar da profunda atenção, e segundo Malebranche, a atenção é a oração natural da alma. A repetição permite que a atenção se estabilize e se aprofunde, é característica essencial dos rituais que podem ser definidos como actos simbólicos. O Símbolo tem origem no signo, permite fazer o reconhecimento, — é uma forma particular da repetição — conhecer algo como aquilo que já se conhece. A percepção simbólica compreende o duradouro, é a instalação de um lugar, como refere Byung-Chul Han, “estar-em-casa-no-mundo”. Os rituais tornam o tempo habitável, são no tempo o que a morada é no espaço. 

Num ritual as coisas não são exauridas mas usadas, assumindo o efeito do tempo, a estratificação das sombras, a usura.  O efeito do tempo, é no Japão, o ingrediente do belo, admiram-se os reflexos profundos e velados sejam nas pedras naturais ou nas matérias artificiais. A beleza do templo budista mergulha na sombra profunda. Os lacados japoneses com as suas decorações de pó de ouro destinam-se ao mundo do sonho na incerta claridade sobre a trama da noite. É a sombra que dá forma à luz. 

As práticas rituais asseguram que estamos em ressonância com as coisas e com o outro, que será o mesmo que dizer que nos põe em consonância, em sintonia com a dimensão do outro. São processos de incorporação que geram um saber. Contêm o mundo e conduzem à desinteriorização do eu, esvaziam, é um retirar para o seu interior infinito. No budismo zen o mistério é o seu manifesto. Assim o universo inteiro floresce numa única flor azul. O azul, segundo a teoria das cores de Goethe, apresenta algo de obscuro. No romantismo A Flor Azul é o símbolo central que torna presente o desejo metafísico do infinito. 

A Câmara Clara de Roland Barthes é lugar do metafisico, da superação do luto, o fazer luz sobre a escuridão do Inverno. Aqui, Barthes distingue dois conceitos: o studium e o punctum. O primeiro refere-se a todas as informações visíveis na fotografia — o visível, o segundo ao que afeta e comove o espectador — o invisível.

A obra desenha-se em torno da fotografia da sua mãe no invernadouro, mas esta fotografia nunca se torna presente, brilha pela sua ausência. Barthes atravessa o reino dos mortos em busca da tal superação. 

Também aqui, na Box da Appleton, o espectador é convidado a atravessar o espaço em busca da sua superação, escapar de si mesmo.

Os rituais e a arte, segundo Bataille, apresentam-se enquanto criação de uma realidade sensível que modifica o mundo enquanto resposta ao desejo de prodígio implícito à essência do ser humano. É a exigência de um mundo mais profundo, numa palavra a exigência de um mundo sagrado, as formas de arte não têm outra origem que não esta. 

 

O azul floresce na sombra é um lugar de profunda atenção, um demorar no silêncio, um não-dizer, até que se torne presente a imagem do invisível. 

 

Cláudia Ramos

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